quinta-feira, setembro 22, 2005

descaminhos / UM GOVERNO A DUAS VELOCIDADES



No sector da energia, o governo congratulou-se com a decisão do Tribunal Europeu sobre a concentração entre a electricidade e o gás, em Portugal, proposta pelo anterior governo e contestada pelo PS, então na oposição.
Não era esse o modelo perfilhado pelo PS por uma razão: não garantia a concorrência e os prejudicados seriam os consumidores.
Muito bem, nada a opor: é uma posição legítima, defensável e com lógica.
Entretanto, o governo faz o quê no sector ferroviário? Atropela descaradamente o mesmíssimo princípio da concorrência que brande a propósito do sector energético!
Num diploma assinado por Guterres foi criada a REFER, para gerir a infraestrutura ferroviária, um indiscutível monopólio natural pelas suas características específicas.
Por isso, a REFER tem responsabilidades particulares, quanto à independência do seu comportamento em tudo o que respeite à igualdade de oportunidades que deve disponibilizar a todos os utilizadores da infraestrutura ferroviária, efectivos ou potenciais.
Ora o que tem estado a fazer o governo no processo Bombardier na Amadora? O governo cilindrou todo e qualquer dever de garantia da concorrência, ao colocar a REFER a adquirir instalações à Bombardier para, acto contínuo, as entregar à CP!
Mas mais, o regulador do sector, o INTF, criado também pelo PS, assiste impávido e sereno a esta obscena violação dos princípios da concorrência. E, no entanto, o INTF, tem especiais deveres de promoção da concorrência, como consta do art. 10.º dos seus estatutos.
O sector ferroviário é um dos sectores que mais recursos do erário público sorve, recursos que, melhor geridos, poderiam contribuir fortemente para ser evitada a retirada de benefícios às pessoas que este governo tem vindo a praticar.
Gerir melhor esses recursos exige a introdução de concorrência no sector ferroviário, sem demoras. Introduzir a concorrência não é, contudo, colocá-la na lei e, depois, fazer de conta, não a praticando nos actos de gestão de quem tem deveres nesse campo.
O caso da Bombardier, não sendo a mais significativa omissão de concorrência no sector, é exemplar. Se a REFER compra as instalações da Bombardier, não as pode colocar na CP, como foi referido publicamente, sem cumprir as regras da concorrência a que está estritamente obrigada, disponibilizando-as à CP ou a quem concorrer com a CP em concurso público transparente.
Este governo, ao contrariar princípios tão essenciais a uma boa gestão e ao incumprir legislação criada pelo seu próprio partido no passado recente, inviabilizando todo e qualquer resquício de dinamismo económico no sector, que outra coisa está a fazer - acumulando casos flagrantes como este -, senão conduzir o país à miséria?