terça-feira, agosto 30, 2005

descaminhos / O EXTREMISMO DO CENTRO


Centrão lusitano é uma expressão demasiado suave, excessivamente conotada com a bonomia dos brasileiros, para caracterizar comportamentos políticos que chegam a pôr em causa a dignidade de um povo em integração numa Europa de eminentes referências.
Portugal sofre dos efeitos perniciosos da predominância de um extremismo de centro que, sendo exorbitante no tempo e no espaço, oprime.
Predominância não apenas na vida política, mas principalmente na comunicação social que molda a opinião pública, quer a mensagem seja proveniente de jornalistas, comentadores ou intelectuais.
A convergência dos regimes de protecção social é um exemplo perfeito, muito concreto, da implantação da ideologia igualitária no terreno social, sob a capa de quase consensuais necessidades financeiras próprias de um liberalismo tardio.
Os intelectuais de serviço ao sistema em que se cristalizou o regime democrático não geram a discussão necessária ao surgimento de um sistema alternativo.
As críticas que expendem, ampliadas por comentadores e jornalistas, traduzem-se num processo de integração do descontentamento e de interiorização da fatalidade, que apenas serve para fazer funcionar, de modo cada vez mais formal, o regime.
No centro avassalador, cerceador da reflexão e da criatividade, reunem-se a esquerda e a direita convencional, o que, em condições normais, deveria dar lugar a um contraditório exógeno, proveniente de críticos convincentes, munidos da teoria e da argumentação adequadas à dimensão do problema.
Mas o centro, ao reunir a esquerda e a direita (vistas na serôdia perspectiva parlamentar dos termos), assume formas de determinismo que facilmente se transformam em extremismo, castrador de contraditórios consequentes.
Sob a capa de crítica, às vezes incisiva, qual denegação freudiana do sintoma, assistimos na televisão aos domingos, segundas, terças e quartas, e nas colunas dos jornais todos os dias, a um esforço patriótico extremo, por parte dos comentadores, para assegurarem a unanimidade do centro.
Portugal, não obstante, tem história e memória a mais para, durante muito tempo, embarcar na encenação do extremismo do centro, por mais seguro e arrogante que ele demonstre estar.
Memória que implica fazer interferir a cultura europeia pré-cristã num modelo de concepção e acção política, subjacente a um sistema alternativo ao actual.
História que atribui responsabilidades na construção deste sistema a um povo que mostrou já, exuberantemente, durante séculos, na sua relação com muitos povos, de todos os continentes, a sua idiossincrasia.
Que se traduz num comportamento de base multicultural, defensor de identidades e modos de vida diferenciados, em alternativa à homogeneização social típica da lógica do capital a que, despudoradamente, aderem a esquerda e a direita que corporizam o extremismo do centro.