quarta-feira, agosto 31, 2005

offside / ESQUERDA REACCIONÁRIA


Este episódio da ex-futura candidatura de Manuel Alegre serve para desiludir todos aqueles que imaginaram, por um momento, ser ainda possível uma regeneração da esquerda portuguesa.
Está muito certo Manuel Alegre quando refere o estado calamitoso a que o país chegou, centrando a sua análise na extrema fragilidade do Estado e avisando sobre os perigos que o próprio regime democrático corre.
Mas está redondamente enganado quando não aponta aquilo que está à vista de todos: o que Portugal não tem, antes de tudo o mais, é uma visão estratégica sobre a sua função no mundo, na sequência da erradicação da que tinha até à revolução de 1974. E é daí que derivam todos os outros problemas.
Não sei se houve quem tivesse verdadeiras expectativas quanto à eventual craveira intelectual dos obreiros da queda do regime anterior.
O que sei é que, agora, está provado que é excepcionalmente fraca!
Foi fácil derrubar o anterior regime, ele próprio auto-flagelado, importando ideologia, teoria e prática políticas de outras realidades internacionais, para as aplicar, tardiamente embora, num Portugal sem qualquer dinâmica intelectual.
Entretanto, os conceitos que estiveram na base dessa importação evoluiram e evoluiram muito.
Só que o que se verificou foi uma estagnação dessa nova visão introduzida pela revolução, com a agravante de, já de si, ela consistir numa visão retardatária em relação a muitos dos países da área cultural, económica e política do Portugal saído da revolução.
Enquanto o mundo caminhava para uma 'nova esquerda', Portugal e a esquerda portuguesa acantonavam-se na velha visão da esquerda, reagindo sistematicamente à evolução das ideias.
Cristalizaram - e desesperadamente tentam manter - a sua posição universalista das grandes ideologias, do socialismo de massas subsidiário de um patriarca ou sacerdote.
Sacerdote sim, porque do que se trata, de facto, é de uma visão que perspectiva os grandes aparelhos político-burocráticos, Estado-nação incluído, como sucedâneos da fé religiosa. (O problema é mais este do que a sucessão dinástica anti-republicana de que Alegre acusa Soares).
A nova candidatura de Mário Soares (como contraponto de uma candidatura de Manuel Alegre que poderia alimentar algumas esperanças no sentido do surgimento de uma 'nova esquerda' em Portugal necessária ao enriquecimento do imperativo combate intelectual que é preciso travar), representa, de forma por vezes até vexatória, o atabalhoamento da reacção da velha esquerda à evolução da vida e das ideias que permitem interpretá-la em cada momento histórico.
Uma vez que, na chamada candidatura de direita, o deserto de ideias é, se possível, ainda mais confrangedor, o que resta para retirar deste cenário das próximas presidenciais é motivação para intensificar as críticas consequentes à falta de dinâmica intelectual capaz de elaborar soluções para Portugal.