quarta-feira, agosto 24, 2005

GOLPE D'ASA PRESIDENCIAL?



É consensual que Portugal, tendo chegado ao que chegou, já não pode passar sem um golpe d'asa, sem um conjunto de acções simples, com objectivos claros e entusiasmantes, no sentido de recolocar o país num caminho seguro e duradouro de confiança e de progresso.
Para tal, é indispensável o protagonismo de um líder, na linha de alguns que, ao longo da história da nação, construiram o fio condutor que trouxe Portugal até hoje, não obstante as fases críticas por que passou.
Poderá algum dos candidatos à Presidência da República que actualmente se perfilam dar corpo a esse golpe d' asa?
Portugal está a atravessar uma das fases mais críticas da sua história, se não a mais crítica, fundamentalmente porque o modelo de acumulação de que anda à procura há décadas, tem agora, e pela primeira vez em muitos séculos, que assentar necessariamente na produção de riqueza interna.
E isto, quando a autonomia económica do país tem vindo a ser sistematicamente destruída, por ausência de aplicação de uma estratégia capaz de a garantir.
Ora, terão Mário Soares e Cavaco Silva estrutura para vestirem a pele desse líder de que Portugal carece? Serão eles homens para o golpe d'asa?
Mário Soares, com Mota Pinto, foi responsável pelo primeiro Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN), produzido em 1984, instituto do actual ordenamento jurídico-constitucional que melhor serve a questão concreta da estratégia nacional.
No debate parlamentar para a sua aprovação, Mota Pinto referiu: “o conceito de defesa nacional não pode deixar de afirmar a imperatividade de se criarem e de se incrementarem as condições sociais de independência, através do desenvolvimento das forças produtivas e criadoras, nomeadamente do desenvolvimento industrial, científico e tecnológico nos sectores mais carecidos e relevantes em termos estratégicos, em ordem a diminuir, na medida do possível, a dependência em relação ao exterior” (in Defesa Nacional e Forças Armadas, Caderno XVI, Lisboa, CDI/MDN, p. 4).
O que fez Mário Soares para pôr em prática esse primeiro conceito estratégico? O que fez e não fez está à vista de todos, entra-nos pelos olhos dentro hora a hora!
O segundo CEDN, de 1994, da responsabilidade de Cavaco Silva e de Fernando Nogueira, menciona como orientação para as estratégias gerais no plano político interno, “desenvolver as capacidades criadoras e produtivas nacionais num quadro de interdependência económica e financeira internacional, por forma a reduzir tanto quanto possível as fontes de vulnerabilidade em sectores estratégicos da economia” (alínea e do n.º 2 da Parte 3).
O que é que o académico Cavaco Silva, com a auréola de grande economista e professor que alardeia, fez e não fez para pôr em prática tal desiderato estratégico? Só não vê quem não quer o desastre que temos pela frente!
Quer Mário Soares, quer Cavaco Silva, já demonstraram não ter estofo para a tarefa histórica, de Estado, que Portugal exige. A instauração da democracia foi necessária, a sua manutenção é necessária, mas, de todo, não é suficiente.
Há que ser realista e reconhecer que, tal como se encontra o panorama político português, em rarefacção de líderes, o país ainda vai ter que suportar um deles por mais um ou dois mandatos.
Mas mais importante do que isso é ter consciência que se torna urgente analisar o processo de recrutamento dos políticos, para se poder actuar. Obviando a que o automatismo da sucessão monárquica não tenha definitivamente dado lugar ao espontaneismo republicano de presidentes tolos, de que o actual é, aliás, um expoente.