sábado, agosto 27, 2005

postaberta / A BELMIRO DE AZEVEDO

Senhor Engenheiro,

Notícias vindas a público e, até agora, não desmentidas, dão como certo o apoio de V. Exa. à candidatura de Cavaco Silva para as próximas eleições presidenciais.
Dando, portanto, como adquirido esse apoio, não posso deixar de lhe propor algumas reflexões, na sequência da surpresa com que me deparo.
A esperança que ainda resta aos portugueses, perante a série de acontecimentos negativos que têm vindo a acontecer há décadas, assenta necessariamente em figuras que, embora apoiem o regime político saído da revolução de 1974, têm sido muito críticas dos frequentes e graves erros e omissões cometidos pelos responsáveis políticos.
É o caso de V. Exa., que nunca desarmou perante a inépcia dos que, tendo pretendido e atingido o poder, demonstraram plenamente o falhanço das suas ideias e da sua prática política.
Não me parece que discorde do balanço fortemente negativo que, objectivamente, somos obrigados a fazer, depois de três décadas de esperanças dadas e frustradas, nos estafados capítulos da justiça, do ensino, da saúde, da economia, das finanças, etc..
O sistema que, dentro do regime democrático, foi sendo criado, sem critério, aos acrescentos, por impulso, sem estratégia definida, provou à saciedade que não serve.
A entrega generosa de Soares à causa pública, contribuindo muito para a conquista da democracia, fica-se por aí. O resto da sua intervenção traduz-se na crise de dimensão histórica que agora temos entre mãos para resolver.
Este sistema, que manifestamente tolhe as potencialidades de quem tem o sangue de antepassados de grande estirpe, tendo sido criado por defeito, mais não fez do que replicar características congénitas já exibidas pelo regime anterior.
É assim que a indústria nacional continua sem conseguir sair do nível de produtos de primeira transformação, acantonando-se mesmo cada vez mais na subcontratação.
Ora, não terá Cavaco Silva também extensas e profundas responsabilidades na consolidação e no desenvolvimento deste sistema que nos espartilha?
A sua longa manutenção no poder foi feita à custa de cedências cujos efeitos são muito difíceis de reverter. A desmesurada incentivação da concessão de crédito a particulares, deu uma ideia de eldorado à população que, alegre e despreocupadamente, foi votando no seu partido.
A outra face da moeda é o poder que os bancos adquiriram dentro do sistema, diluindo-se, já à vista desarmada, o controlo do poder financeiro pelo poder político. Coisa que nem Salazar alguma vez consentiu...
Senhor Engenheiro, não esperaria de si uma integração neste sistema, do qual não parece possível que Cavaco Silva venha a divergir.
O regime democrático português precisa mais que nunca de avatares, capazes de encarnarem ou apoiarem um sistema alternativo que tome em mãos as tarefas gigantescas que urgem.
O apoio de V. Exa. a Cavaco Silva corresponde à integração de uma personalidade depositária de esperança, num sistema falhado; traduz-se numa perda, no âmbito das reservas que um regime democrático tem de ter para fazer face às inevitáveis crises de consolidação e crescimento.
Apoiar Cavaco Silva, depois de tanta irreverência e oportuna crítica a que V. Exa. nos habituou, tão regeneradoras do espírito em tempos de grandes dificuldades, é coisa que não se faz.
Apetece-me dizer, como vem no princípio da sua biografia: - Fazes... apanhas!
Cumprimentos.